quinta-feira, 23 de julho de 2015

Era duas ou três da manhã quando Joana saiu do bar e foi caminhado sozinha pra casa. Cidade pequena não tem essa de pegar táxi na hora da volta, o caminho é curto, o perigo também e é normal andar sozinha. Havia anos que a moça havia se mudado da cidade, saiu fora do interior e foi estudar na capital, desde que se mudou visitou a família duas vezes, no natal do primeiro ano e na morte da avó. Desta vez viera se despedir do pai, o velho já estava doente a bastante tempo e a fatalidade veio acontecer logo na semana de aniversário de Joana, o pai que sempre foi ausente, deu de presente se ausentar pra sempre na semana dos seus 23 anos.
 A cerimonia de enterro foi rápida, o corpo do velho fedia a medicamentos e hospital, tinha ficado três meses em cima de uma cama na Unidade intensiva, durante esse tempo a família de joana clamou pra que ela viesse visita-lo, pedir perdão antes que fosse tarde demais, a filha rebelde, ovelha negra, bastarda, lésbica e inconsequente, que durante a vida inteira manchou e desonrou o nome da família e do pai.  
  Mas joana pensava: Pedir perdão por não ter cedido ao comando? Perdão por ter voado pra longe, enquanto queria me trancar numa gaiola? perdão por ter sido uma criança malvada o suficiente para não merecer um abraço do pai de presente de natal? e se tão louca e ruim eu fui, por que, enquanto definha, o velho haveria de me querer por perto? Afasta-me da tua hipocrisia! Me verás de pé, enquanto eu o olho de cima deitado na caixinha de madeira que o guardará no inferno. 
  E assim foi, joana só voltou quando o telefone tocou trazendo a notícia de que o pai tinha tido uma parada cardíaca durante a noite, os médicos optaram em não reanima-lo e o coração parou pra sempre. Durante o a cerimônia de velório e enterro, ao contrário dos irmãos, não posicionou sua cadeira ao lado do corpo e nem segurou a mão do velho com lagrimas nos olhos.
Fumou três maços de cigarro enquanto olhava pro velho inerte e sentia todos a olharem com desdenho. Sentia um enorme aperto no peito, suas mãos tremiam e dentro dela passava um filme dos momentos fraternos que ela sempre quis ter, foi usurpada da convivência com os irmãos durante a infância, depois que a mãe morreu pulou de galho em galho até que o pai decidiu que não havia mais meios de fugir da responsabilidade, tinha 16 anos quando se mudou pra viver com ele, a madrasta e os três irmãos mais velhos, a porcaria da cachorra da vizinha era tratada melhor do que ela dentro daquela casa.  Não tinham nem o cuidado de disfarçar que ela não era bem vinda. 
  O pai estava morto, mas uma parte dela também, foi afetada a vida toda pela insuficiência de carinho e atenção que sofrera na infância. Pensava: Talvez em duas ou três vidas, eu consiga sentir por você algo menor do que ódio. 
   Saiu do enterro direto pro bar da esquina, via-se as cruzes do cemitério do balcão do estabelecimento, tomou uma, duas, três doses de uma pinga barata, não precisou pagar nenhuma, foi cortejada e quase molestada por um cara que a seguiu até o banheiro e se surpreendeu quando ela tirou uma faca da bolsa e ameaçou corta fora aquele membro nojento . Saiu do bar, agora ta andando pela cidade vazia, sem ter lugar algum pra ir, a não ser a rodoviária onde pretende pegar o ônibus pra ir embora de novo. 

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